sábado, 29 de junho de 2013

não dê comida



Não dê comida aos animais.
Não dê comida a Richele.

Richele é pequena para os 7 anos que tem. E, ao mesmo tempo, mais velha que seus 7 anos. Não sei bem explicar isso. Digo que ela é pequena porque meu irmão, aos 7, bate aqui no meu nariz, e ela, de pé, encosta lá longe, no meu ombro. Mas tenho certeza de que Richele também é mais velha do que esses 7. Mais velha porque sustenta todos os da sua família vendendo balas de goma. Na sua família há o irmão Lucas, de 5, sempre na cola da menina, quieto e sujo. E a mamãe.

A mamãe de Richele é bastante alta. Richele se parece com ela, tem o cabelo crespo claro, os olhos verdes escuros. Com a diferença de que Richele fala bastante, enquanto mamãe, não, está sempre muda, à distância, segurando sacos plásticos. A mamãe espreita.

Richele dá duro, porque vender bala de goma é seu menor trabalho. O que ela tem de mais difícil a fazer é, fingindo vender bala, convencer os bancários que freqüentam a lanchonete a lhe comprar baguete com presunto. Por isso, fala tanto. Li num livro que um deus egípcio inventou as palavras e que seu chefe, o deus Sol, achou isso uma perda de tempo. Se os homens têm tudo escrito e mastigadinho para ler, não guardam nada na cabeça. A cabeça dos homens é um vazio, ele falou. Richele não sabe ler. Será que, por essa razão, sua cabeça guarda tudo, os nomes do presente, as contas do futuro? 

Então, Richele, quando quer dar comida para a mãe, diz que a baguete da cantina é para ela própria. Não acredito que qualquer coisa que Richele peça seja para ela mesma. Minha mãe me disse que existe uma porção de gente adulta atrás dessas crianças, explorando seu trabalho. Talvez aquela moça do plástico não seja a mãe de verdade da menina. Nem mãe de cara, nem mãe de coração. Criança não trabalha, não é? Eu não trabalho. Se trabalhasse, por que daria tudo para minha mãe?

Sei que a vida de Richele não é para a gente gostar. Veja só. De noite, em vez de ter uma televisão diante dela, tem os passantes da praça. E eles são enjoados. Nem olham para ela, não lhe contam histórias. Ainda assim, ela vive rindo para eles. Conversa, conversa, mesmo na chuva, de sandália de plástico quebrada, com todos os que lhe dizem oi. Alguma coisa me conforta em Richele. Não sei se é o fato de ela viver na rua. Não sei se é o fato de ser feliz.

(Texto escrito em outubro de 2005)


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