domingo, 30 de junho de 2013

NOVEMBRO NA ALMA - capítulo 1

NOVEMBRO NA ALMA - capítulo 1 (publicado originalmente em outubro de 2005)





Para quem tem vivido da escrita torta durante duas décadas, como eu, e por escrita torta entenda esta mesma, a do jornal, a da revista em quadrinhos, a dos prefácios brevíssimos, a redação das cartas e apresentações das exposições, das farsas conselheiras das revistas femininas, dos depoimentos alheios plenos de vírgulas, dessa escrita miúda que de tão pequena é também insensível à memória prolongada do leitor de tais imprecisões (leitor apressado, infiel), resta uma pergunta, entre especuladora e melancólica, sobre o ofício de escrever. Será este o meu?

Herman Melville, em “Moby Dick”, dizia que era hora de se lançar ao mar quando, em terra, seu Ismael se via frequentemente parado diante das funerárias, enfileirado nas antesalas dos velórios, disposto a arrancar os chapéus dos passantes um a um. A aventura estava próxima quando um novembro abafado e chuvoso se apossava da alma de seu protagonista.

Chame-me Ismael. Com a distância devida que há entre um Melville e uma escriba funcionária, sei por experiência que é hora de me lançar ao mar, ou escrever, ou tinturar nas telas do computador quimeras desconhecidas e automáticas quando diante de mim estão, por exemplo, uma Oprah Winfrey em luta contra o poderio dos germes nos travesseiros velhos e um motorista de táxi para quem a Terra não é redonda, já que acaba no oceano (e portanto os jornais, como os políticos, mentiram para ele mais uma vez).

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