terça-feira, 2 de julho de 2013

NOVEMBRO NA ALMA - capítulo 3




Clarice Lispector tinha suas dúvidas. Só sabia que escrevia enquanto escrevia. Por isso, disse, jamais poderia se dizer escritora _ um escritor tem de saber antecipadamente, afinal, como se põe as coisas no papel. É que Clarice tinha muita instrução. Uma obra como a da neo-zelandesa Katherine Mansfield, que a inspirou desde o início em sua atividade literária, não pôde ser tocada por qualquer um. Nem mesmo por Clarice. Mansfield foi um caso isolado de pronunciamento do singelo. Seus contos não tinham começos nem finais. Tinham sugestões, sutilezas, o vento balançando o lenço vermelho. Clarice não sugeria. “A Hora da Estrela” é cabal.

Talvez por intuir isto desde muito cedo, meu embate com os jornais sempre cresceu neste ponto. Se é preciso dizer que um livro é definitivamente bom ou ruim na seção de resenhas, não se deve dizer. As coisas não começam nem terminam. Não somos catálogos de venda de títulos para dar cotações apressadas. Somos alguma coisa da cultura, do vento, do balanço, do lenço vermelho, não do patrocínio. Não deveríamos iludir ninguém agindo assim, embora o façamos continuamente, por uma necessidade que não pára de se reinventar. Os jornalistas culturais são os objetos do delicioso riso público antes e depois do “Ilusões Perdidas”. São, como Balzac os via, críticos e louros! Então, se sou jornalista, não posso me considerar alguém que exatamente “escreve” _ embora, não sendo Clarice, ou Kathe, ou Melville, ou Balzac, ainda me ponha diante da escrita com esse objetivo de afastar os novembros e atingir o que existe.

O diacho é este. Quantos escritores que assim se proclamam sabem realmente escrever? O que é escrever?

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