segunda-feira, 1 de julho de 2013

NOVEMBRO NA ALMA - capítulo 2






Escrevo se escrever é desligar a televisão e o taxímetro em busca de intimidade. Se é lavar os próprios intestinos, e deixar que o oxigênio os atravesse. Escrevo se escrever é livrar-se desse novembro na alma, abafado, úmido, em busca de um ar frio ou quente, mas ar. Estou falando de um exercício racional que é, a um tempo, meditativo. Quem escreve assim, mesmo que repouse no computador as baboseiras do espírito, está em busca de encontrar o próprio corpo. É claro que essa procura se revela no mais das vezes frustrante e infernal, e não pode se considerar jamais concluída. Mas os músculos da alma, ainda que reconheçam a batalha perdida de antemão, anseiam pela aeróbica simples. “A minha obra é uma tentativa fracassada de atingir o que existe”, disse Clarice Lispector a respeito do fato, num desses cadernos em que o Instituto Moreira Salles recolhe os pedaços de seus autores-fetiche.

Faz bem mencionar Clarice, de um modo ou outro, ainda que ocorra com esta escritora o que ela mesmo lamentava quando viva, ter-se tornado objeto de admiração óbvia e urrante (que urra). O que há em grandeza nesta nossa artista patrimonial é sua noção de importância. “Literata não sou porque não tornei o fato de escrever livros uma profissão, nem uma carreira. Escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só quando eu realmente quis”, ela crê. “Sou uma amadora? O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.”

Escrever, então, não é dizer o novo, mas o ancestral, o que existe. E dizer ocasionalmente, quando a hora chega. Afirmou-nos isto a maior literata não-literata brasileira. Mas, então, como é que se escreve?

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